Abrem-se as portas. Léo sobe no ônibus e senta no mesmo lugar de sempre. A última cadeira do lado direito do ônibus, do lado da porta, o lado de descer e subir. É sempre o mesmo lugar. E sempre na mesma hora, na última "viagem".
Léo tinha um sonho desde pequeno: ser motorista de ônibus. Brincava com seus caminhões e ônibus de lata, arrastando-os pelo barbante ao longo da calçada. E dava curvas - Irrrrrgh - , e sorria, e sentia-se dentro, bi, biii, conduzindo.
Ele costumava sentar num batente da ponte só esperando e admirando - era admiração! - os ônibus subindo e descendo a ladeira da minha rua, da rua dele. Quando lá vinha o ônibus, Léo sempre se punha na mesma posição: cabeça virada para o lado que o ônibus estava vindo, mãos apalmadas e juntas entre as pernas, pés saltando, batendo no chão e um sorriso. Hoje sei que aquele sorriso era de "não vejo a hora de ser minha vez."
E assim os dias e noites se passavam. E Léo acreditando, esperando e o sonho permanecia o mesmo.
Nos afastamos pela normalidade da vida, o tempo.
O tempo de uma "viagem" de ônibus, ou de um engarrafamento, de uma fugida rápida de bicicleta até o bairro vizinho. A primeira vez que tenho lembrança de ter ultrapassado os limites territoriais e permissivos, impostos pelo meu avô, de bicicleta, foi com Léo. Pedalamos rápido para que pudéssemos voltar depressa e não sermos notados. Conhecer a geografia das redondezas naquela época era fascinante. E fomos a cada dia desbravando mais e mais. De pouquinho em pouquinho. Nunca aconteceu nada de ruim. Nem um pneu furado. Léo vivia montado numa sela de bicicleta pra cima e pra baixo. E nunca aconteceu nada.
Conversávamos nos banquinhos que ficavam na frente da casa de Léo. Viajávamos contando histórias e, sobretudo, riamos muito.
Depois de tantos anos, Léo faz viagens nos ônibus. Todos os dias. No mesmo lugar. Sempre.
E fico pensando nessa obstinação por um sonho. De tentar vivê-lo mesmo que seja do lugar mais distante, o lugar mais longe do motorista. E penso o por que desta escolha? Por que manter-se no armário do sonho e deixar-se conduzir por um desejo?
Viajamos todos os dias nos ônibus. Temos reflexões que perduram por toda uma vida. Olhamos pra fora da janela pensando, pensando, e pensando. Ou só de cara feia.
Penso agora que ele seja mais esperto do que a maioria de nós, mais feliz por viver à sua maneira o seu sonho.
Abrem-se as portas. Sempre na mesma hora, na primeira viagem.
Bruuuuuum, bruuuuum, bi, bi, txiiiiiii...
a Leonel, o Léo.
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