Baú Noturno

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Nova

Quando a vida muda de rumo
Não se deveria sentir medo?
Não se podia deixar de tê-lo
Quando a vida exige prumo.

Não nego minhas virtudes
E nem realço os defeitos.
Cada um na sua quietude,
Cada qual no seu direito.

Quem sabe as palavras me ceguem
Assim como o conhecimento,
Assim como todo fundamento
Dos silêncios que me perseguem.

E tudo a que almejo
Não é mais que necessidade.
Porque se fosse desejo
Era igualmente vaidade.

Não dou a vida de bandeja!
Esta verdade dita seja.




quarta-feira, 24 de abril de 2013

Léo Leonel e o ônibus

Bruuuuuum, bruuuuum, bi, bi, txiiiiiii...
Abrem-se as portas. Léo sobe no ônibus e senta no mesmo lugar de sempre. A última cadeira do lado direito do ônibus, do lado da porta, o lado de descer e subir. É sempre o mesmo lugar. E sempre na mesma hora, na última "viagem".

Léo tinha um sonho desde pequeno: ser motorista de ônibus. Brincava com seus caminhões e ônibus de lata, arrastando-os pelo barbante ao longo da calçada. E dava curvas - Irrrrrgh - , e sorria, e sentia-se dentro, bi, biii, conduzindo.
Ele costumava sentar num batente da ponte só esperando e admirando - era admiração! - os ônibus subindo e descendo a ladeira da minha rua, da rua dele. Quando lá vinha o ônibus, Léo sempre se punha na mesma posição: cabeça virada para o lado que o ônibus estava vindo, mãos apalmadas e juntas entre as pernas, pés saltando, batendo no chão e um sorriso. Hoje sei que aquele sorriso era de "não vejo a hora de ser minha vez."
E assim os dias e noites se passavam. E Léo acreditando, esperando e o sonho permanecia o mesmo.
Nos afastamos pela normalidade da vida, o tempo.
O tempo de uma "viagem" de ônibus, ou de um engarrafamento, de uma fugida rápida de bicicleta até o bairro vizinho. A primeira vez que tenho lembrança de ter ultrapassado os limites territoriais e permissivos, impostos pelo meu avô, de bicicleta, foi com Léo. Pedalamos rápido para que pudéssemos voltar depressa e não sermos notados. Conhecer a geografia das redondezas naquela época era fascinante. E fomos a cada dia desbravando mais e mais. De pouquinho em pouquinho. Nunca aconteceu nada de ruim. Nem um pneu furado. Léo vivia montado numa sela de bicicleta pra cima e pra baixo. E nunca aconteceu nada.
Conversávamos nos banquinhos que ficavam na frente da casa de Léo. Viajávamos contando histórias e, sobretudo, riamos muito.
Depois de tantos anos, Léo faz viagens nos ônibus. Todos os dias. No mesmo lugar. Sempre.
E fico pensando nessa obstinação por um sonho. De tentar vivê-lo mesmo que seja do lugar mais distante, o lugar mais longe do motorista. E penso o por que desta escolha? Por que manter-se no armário do sonho e deixar-se conduzir por um desejo?
Viajamos todos os dias nos ônibus. Temos reflexões que perduram por toda uma vida. Olhamos pra fora da janela pensando, pensando, e pensando. Ou só de cara feia.
Penso agora que ele seja mais esperto do que a maioria de nós, mais feliz por viver à sua maneira o seu sonho.




Abrem-se as portas. Sempre na mesma hora, na primeira viagem.
Bruuuuuum, bruuuuum, bi, bi, txiiiiiii...





a Leonel, o Léo.






sexta-feira, 19 de abril de 2013

Capitais

Um homem de negócios capitais anda na rua pensando nos seus negócios capitais. Ele não olha adiante.
Ele olha o chão.
Evita levantar a vista para que não encontre ninguém que o conheça ou algo que lhe possa distrair a atenção de seus negócios capitais.
Ele tem prazer ao olhar o chão.
Fica contente e curioso por ver apenas corpos, pés e pernas que passam para lá e para cá todo tempo.
Não precisa olhar adiante.
Já conhece o caminho que faz de casa para o trabalho e vice-versa. Se guia pelas lembranças de buracos, das pedras mal encaixadas nas ruas, pela bota do guarda parado no mesmo sinal.
Por um momento pensa na hora de dormir quando imagina como seriam os rostos das pessoas.
Está tão envolto com seus cálculos de dívidas e pagamentos que se assusta quando vê um rosto.
Uma menina de cabelos louros está olhando para ele e segura uma mão masculina.
Ela lhe diz: "Cuidado, moço."
O homem de negócios capitais acha aquilo um insulto a seus negócios capitais, resmunga e volta a andar.
É atropelado!
Seu terno preto está rasgado, sua calça teve a perna esquerda arrancada, sua pasta impermeável abriu-se e de lá voaram todos os orçamentos já calculados e revistos.
Um sapato preto sumiu e tudo está rubro na vista do homem de negócios capitais.
Em seu último olhar ele vê o pai da menina, vestido de terno preto, calça completa e com um par de sapatos pretos, e com ela nos braços, chorando. Sua pasta continua fechada e ao seu lado.
O homem de negócios capitais suspira, fecha os olhos e morre de tristeza.




"Olho o chão. Sempre quando penso na rua, olho o chão. Até nos momentos em que divago, olho."

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Páginas


Porque eu gastaria meu verbo com quem não quer, mesmo sabendo que posso encontrar afeto, lá, com ele? O dia a dia arregala meus os olhos para que eu veja o mundo todo farto de miséria, ganância, mesquinhez... E eu gosto. Está aí, lá, explícito em cada lugar que se aguente ver. 

Que me invadam toda noite e deflorem tudo que há em meu corpo, em minha mente, no meu “quase-ser”! É uma ordem! Eu desejo essa dor, esse rasgar de minha alma.

Quero todo dia e cada noite sentir a cobiça, o prazer no desconhecido.  Quando não quiseres mais isso, eu morro, eu caio, eu sofro. Venham! Pois posso ser mulher voraz. Quero ser rainha de reinados corroídos pelo ódio e inveja. E caminhar com véu negro pelas florestas sombrias e gélidas. Serei tua deusa. A mais bela. Quero ser guardiã nos labirintos dos prazeres inomináveis da tua curta vida. Quero o fim do tédio mais que tudo. Quero ser sua.

Serei o mais viril das planícies. O maior cavalheiro para ter-te só minha. Traiçoeiro, mentiroso, dissimulador... Para ter-te em meus dedos, para cheirar-te, para cerrar-te em minhas mãos, apertar-te em meu peito e suspirar de gozo eterno e momentâneo. Ser o conhecimento e a dúvida simultaneamente. O ácido e o doce.  Ah como quero ser-te canalha! E, sobretudo, amar-te sobriamente enquanto estiveres comigo. Mesmo que sejas fugaz.

Não me trate com indiferença. Ou até trate, mas que seja sutil. Bata-me com toda força na face, no corpo e mostre o quão bruto você é. Responda-me para que eu inspire seus questionamentos, seu modo de ver e falar do mundo. Não me venha com carícias plenas de desapegos. Não quero! Não aceito! Não suporto! Percebas que me fazes feliz sendo rude, mas sincero e fino.

Que fique claro que serás deixado de lado por vezes. Esquecerei! Porém, ao buscar-te irei amar-te mais e compreender o que me tentas dizer. Ou não.

Peço que suportes a ausência. Não sintas ciúmes. Por esse e outros motivos espero não demorar a reencontrá-lo.

Ainda que não seja nada que penso e almejo, terei tempo para acariciar e zelar por você quando chegar esse momento.

Espere. Não há solidão.                           

Um tempo


Houve um tempo que esperar foi essencial. Pouco atrás de antes. O que é esperar? Qual o motivo disso? É necessário realmente ver o tempo apenas passar? Cada vez mais lentamente... Mais e mais. Com o tempo algumas opiniões são formadas, outras deformadas... Assim somos nós. Todos. Paramos pra pensar sobre as responsabilidades de uma espera? Quanto tempo é preciso para o tempo ter tempo e nos dar tempo para conseguirmos esquecer com o tempo? Não sei. Se alguém souber, avise. Esperar é ter paciência. Esperar é quase uma ciência... No caso, quase abstinência. Deixo de lado algo que antes me parecia ser tão inestimável, tão raro e sutil. Logo percebo que nem todos os sacrifícios são válidos. Nem todos... Porém, alguns existam de forma gentil. Quando o tempo parar o meu tempo não quero que os outros parem seus tempos para pensar em quanto tempo perdem não pensando nos seus próprios tempos. Difícil é aceitar gestos de pessoas tão distantes e próximas ao mesmo tempo. Como é ruim ver-se esquecido com o tempo, ser substituído pelo tempo, ter abduzido o seu tempo. Verdade é que vamos mudando com o tempo, mas o tempo não muda a verdade. Mentira é o real sentido de tudo agora. Tenho impressão de tudo não ter passado disso. Acontece que penso isso por pouco tempo. Depois de um tempo, vejo que apenas confusões nos vêem à cabeça. Duro admitir que me abalei com tudo e que tudo me admite ser abalado. Enquanto a vida segue, penso no tempo... No quanto já esperei e espero. Até mesmo, no quanto vou esperar. Mas pense que o tempo nem sempre nos dá tempo pra pensarmos nele. Vivemos com pressa, com gana, com gula de tempo. Sem tempo para o tempo. Gosto, agora, de pensar que com mais um pouco de tempo alguém perceba que não esperarei todo tempo. Só e apenas só... Enquanto for necessário. (Aaah!) O tempo. Velhos e bons tempos. Aqueles nossos tempos...












                                                                                                                                          30/09/2009

Um sorriso e suas gargalhadas



Algo nos uniu quase que imediatamente
Como uma fusão de encaixes perfeitos
Revelando a delícia dos grandes defeitos
Da vida vivida descompromissadamente.

Profunda surpresa de minha parte
Saber que você não veio de marte
E é tão charmosa e louca assim.

Quem vê teus cabelos... É claro que se encanta.
Tua gargalhada até que não espanta.
Não sei quanto aos outros. Falo por mim.





                                                                                                          11/03/2009

Eu, ele e tu.


  
Chegou o dia do começo do fim
Sexta à noite no mesmo botequim
Lá iam os três amigos sóbrios.

Mal chegavam e já praticavam suas leis:
- Uma cerveja geladinha.
- Quantos copos?
- Três.

- E o hino?
- Nacional?
- Não. Quase... “Meu amigo Pedro.”.

E nesse tempo a primeira tinha de acabar.
Trouxe outra. No hino é praxe brindar.
Fazer silêncio? Não. Vejo no que vai dar.
A bebedeira acaba de começar.

Daí pra frente é só diversão.
Sorrir com qualquer um sem saber nem a razão
E tudo isso com um copo de cerveja na mão.

E vamos seguindo na mesma farreada
Eu peço mais uma. Ele diz: “Bem gelada!”.
E tudo isso com uma cerveja na mão.

É verdade, até nada se torna engraçado.
Um falando do outro meio desengonçado
E tudo isso com uma cerveja na mão.

Realidade! No fim das contas nós apenas rimos
Da cara de todos, de tudo. Mas, rimos...
E ainda há de restar uma cerveja na mão.

                                                        

                                                                                                                                            11/03/2009

Socimaldade

O mal está presente em tudo
e todos gozam dele.
Estamos carentes. Contudo,
fugimos com ele.
Não sinta medo. Sejas maquiavélico.
Não guarde segredo. Torne-se pérfido.
Sempre há um grão de maldade
Mesmo em sincera honestidade.










quarta-feira, 17 de abril de 2013

Indo

Há insegurança no desconhecido,
Na carapaça que já vai romper,
No elo que ao nascer
Me une ao umbigo.

E quase ao morrer vejo nascendo
O grito mais silencioso que meus olhos berraram,
O odor mais sentencioso em narinas que cheiravam
O medo de sentir tudo crescendo.

Existo por necessidade.